O guincho (Pandion haliaetus), é uma ave de rapina costeira e predadora de topo, que se alimenta quase exclusivamente de peixes, e com uma ampla distribuição geográfica a nível mundial. É também uma espécie “bandeira” para a conservação mundial. Na região Macaronésica, Cabo Verde é o arquipélago com maior número de casais estimados (72 – 81 pares), estando a maior parte da população reprodutiva concentrada na região de Barlavento. Tanto na área de estudo, em São Nicolau, como em Cabo Verde no geral, a espécie parece estar recuperando do declínio verificado no passado. Já nas ilhas do Sotavento a espécie foi sempre considerada escassa e em declínio no período 1998-2001, mas observações mais recentes em Maio, Fogo e Santiago parecem indicar alguma recuperação na região. O presente estudo (ETC de LCB) teve como objetivo base contribuir para o conhecimento da biologia e ecologia da população de guincho de São Nicolau e atualizar a informação sobre a sua demografia. Sua execução só foi possível devido à subvenção duma empresa nacional no ramo da energia, a Cabeólica e ainda bolsa de uma Fundação internacional para a conservação da espécie (TIOF), sediada nos Estados Unidos.
O estudo sistemático do guincho na ilha de São Nicolau compreendeu uma forte componente de prospecção de terreno, para toda a zona litoral da ilha, que aconteceu no período de Janeiro a Abril de 2016, e que contou ainda com colaboração de Samir Martins (BIOS-CV, ornitólogo cabo-verdiano). Alguns troços costeiros de dimensão pequena não puderam ser prospectados por serem remotos e de difícil acesso por terra ou por mar. Após o diagnóstico das observações e dos resultados, a população na ilha foi estimada entre 17–21 casais dos quais 56% se concentram na face norte da ilha, nos sectores costeiros mais expostos aos ventos alísios. O número de ninhos abandonados continua elevado tal como em finais de anos 90, um fato possivelmente associado, em parte, à perturbação de origem humana considerada um factor de risco em algumas ilhas.
Para o estudo particular da ecologia trófica foram recolhidos durante o trabalho de campo cerca de 900 restos alimentares nos ninhos, em baixo dos ninhos e em zonas de pouso, que foram posteriormente analisadas, no laboratório de Biologia da Faculdade de Engenharias e Ciências do Mar em Mindelo, com o apoio de uma colecção osteológica de referência para algumas das 36 taxas de peixes costeiros identificados no estudo. Dessas espécies, 79% são consideradas espécies demersais (de fundo), sendo as principais dominantes: Tururu ou Viola (38%), Bidião comum (23%), Bidião capil (9,3%), Agulha (7,2%), Voador (5,7%), e ainda de entre outros como Sargos e Barbeiro. A título de discussão ficou claro que o guincho constitui um predador oportunista e generalista, cuja dieta reflecte em grande parte a disponibilidade das presas locais, alterando sazonalmente de acordo com a abundância destas, aparentemente de acordo com a fisiografia da costa e correspondente abundância relativa das presas, mas dentro dos limites de tamanhos, pesos e tipos ecológicos adequados à espécie.
A ave estudada é um bom indicador ambiental, pelo que a monitorização da população, do sucesso reprodutivo e da dieta permitem detetar alterações associadas a disponibilidade de fontes de alimentos, acompanhar as mudanças de longo prazo nas populações de peixes do litoral, por alterações da produtividade marinha, possivelmente associadas a contaminação das águas ou às mudanças climáticas. Em suma, o presente estudo que teve duas componentes, o levantamento geral e abrangente da população e o estudo da ecologia trófica, incluindo a dieta, está veiculado com o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas na FECM, tem parceria entre investigadores do recente criado Twin-Lab (Uni-CV/CIBIO), e compreendeu todas as etapas clássicas da investigação aplicada, desde do terreno e coleta, processamento laboratorial interpretação e análise de dados, apresentação formal, e duas publicações previstas em revistas de especialidade – e por isso tudo pode ser considerado um caso inédito de estudo em ornitologia (estudo da aves) na Uni-CV.
Autora: Rosiane Fortes (bióloga, ornitóloga)
Orientador: Luís Palma, PhD (CIBIO-InBIO, Universidade do Porto)
Coordenador: Rui Freitas, MSc (FECM, Universidade de Cabo Verde)
Financiadores: Cabeólica S.A., Cabo Verde e TIOF, The International Osprey Foundation, USA