Conferência final sublinha necessidade de teorias endógenas e políticas de citação de autoras africanas

A sessão de encerramento do I Seminário Internacional “Repensar o Género a partir de África”, promovido pelo CIGEF da Universidade de Cabo Verde, no dia 13 de novembro, na sala António Correia e Silva, Mediateca da Uni-CV, destacou a importância de desenvolver categorias analíticas enraizadas nas realidades africanas e de reforçar a visibilidade das autoras do continente, articulando género, colonialidade e produção de conhecimento.
Na conferência de encerramento, intitulada “Epistemologias Africanas e a Crítica ao Universalismo de Género”, a Dra. Florita Telo sublinhou que África não é um bloco homogéneo, mas um espaço marcado por forte diversidade interna, inclusive dentro de um mesmo país ou grupo étnico. A oradora alertou para o risco de aplicar de forma acrítica categorias de género produzidas em contextos ocidentais, sem considerar a localização histórica, geográfica e política das relações sociais em África.
A conferencista problematizou a ideia de um conceito universal de género, lembrando que a distribuição de tarefas e funções sociais nem sempre se organiza primariamente em torno do género, podendo estar associada à senioridade, à forma de entrada na família, à pertença étnica ou, em contextos pós-coloniais, à filiação partidária. No caso angolano, indicou, a filiação política pode ser mais determinante do que o género na organização do poder.
Retomando o conceito de “imperialismo de género” de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, a conferência criticou a tendência de alguns estudos feministas que “viajam” para África impondo uma figura única de mulher, mãe ou esposa e projetando uma imagem das mulheres africanas apenas como sujeitas subjugadas e sem voz. A imposição de definições externas, defendeu, deslegitima saberes locais e descontextualiza práticas culturais, nomeadamente em temas sensíveis como a designada “mutilação genital feminina”, para os quais várias autoras africanas têm chamado a atenção quanto ao próprio ponto de partida do debate.
Critérios de enraizamento e efeitos comunitários
Como orientação metodológica para investigações em género, a conferencista propôs dois critérios: enraizamento e efeitos comunitários. O primeiro implica questionar se as categorias e conceitos importados dialogam com línguas, instituições e práticas locais, sem “romantizar” o que é próprio, mas sujeitando-o igualmente a escrutínio crítico. O segundo exige avaliar se as ideias aplicadas contribuem efetivamente para melhorar a vida das pessoas envolvidas.
A oradora defendeu que a academia africana deve ser usada para desmantelar mecanismos coloniais ainda presentes nas formas de produzir conhecimento, lembrando que o continente tem gerado teorias e conceitos, como o Stiwanismo e o Nego-feminismo, assentes em éticas de paciência, equilíbrio, negociação, cuidado e solidariedade. Sublinhou, contudo, que muitos destes contributos permanecem pouco visíveis devido à dificuldade de acesso às produções científicas africanas e à dependência de financiamento internacional.
Política de citação e responsabilidade académica
A conferência enfatizou a necessidade de uma política ativa de citação de autoras africanas em trabalhos académicos, teses e relatórios, como forma de resistência e de construção de autoridade intelectual no espaço global. Segundo o texto-fonte, a oradora chamou a atenção para o facto de centros de investigação africanos continuarem condicionados por critérios de “prestígio internacional” que favorecem a citação de autores de fora do continente.
No diálogo final, a conferencista voltou a alertar para narrativas que procuram distanciar Cabo Verde do continente africano e para o risco de enfraquecer conquistas históricas das independências africanas por desconhecimento da história. Sublinhou ainda que a luta de género tende a atrair mais financiamento internacional do que o combate ao racismo, o que condiciona a centralidade do debate racial nas agendas de investigação.
No encerramento formal, a organização agradeceu a participação de conferencistas, moderadores e público presente ao longo dos dois dias de trabalhos, destacando o papel do Centro de Investigação e Formação em Género e Família (CIGEF) nos seus dezassete anos de atividade.
O seminário foi apresentado como espaço de disputa, partilha e cruzamento de vozes provenientes de diferentes países e contextos de produção de conhecimento. A equipa organizadora sublinhou que o evento foi pensado como etapa preparatória para futuras edições, convidando as pessoas presentes a colaborar na organização da próxima realização e reiterando que tomar o género como central significa também discutir comunidades, vidas, memórias e trajetórias.