A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) foi palco, nesta quinta-feira, 19 de dez. de 24 de um evento que lançou luz sobre um dos marcos mais decisivos do processo de libertação nacional: o Acordo de Lisboa (1974) e a consequente formação de um governo de transição, que pavimentou o caminho para a independência de Cabo Verde em 1975. Organizada em parceria com o Instituto Pedro Pires e a Presidência da República, a conferência reuniu especialistas e investigadores, convidando a comunidade académica e o público em geral a refletirem sobre os desafios, negociações e contextos políticos que moldaram o destino do país.
O Vice-Reitor para as áreas de Ensino, Formação e Inovação Pedagógica da Uni-CV, Jorge Tavares, deu as boas-vindas aos participantes, destacando a presença de convidados ilustres, entre eles o Comandante Pedro Pires e o Dr. Osvaldo Lopes da Silva, figuras-chave na condução do processo negocial. Em seu discurso, Tavares sublinhou a importância de as novas gerações compreendem “o amor à pátria, a coragem e a determinação” demonstrados pelos combatentes da liberdade, enfatizando que a universidade – enquanto “casa do saber” – tem o dever de promover o conhecimento histórico e inspirar o compromisso com a soberania, a cidadania e a independência intelectual.
A cerimónia contou igualmente com a presença do Presidente da República, José Maria Neves, cuja intervenção remeteu a um “marco histórico importante” no percurso rumo à descolonização. Neves contextualizou o Acordo de Lisboa como o corolário de anos de luta pela autodeterminação, lembrando o esforço conjunto entre o PAIGC e o governo português no período pós-25 de Abril, e incentivou a academia a continuar a investigar e divulgar a complexa história política contemporânea de Cabo Verde. Sublinhou, ainda, a necessidade de celebrar o 50.º aniversário da independência de forma plural, envolvendo universidades, fundações, organizações não governamentais e a sociedade civil, num esforço concertado de unidade nacional e valorização do património coletivo.
O ponto alto do evento foi a conferência ministrada pela historiadora Aurora Almada e Santos, especialista em descolonização portuguesa. A investigadora abordou em profundidade o contexto político, social e cultural que culminou na assinatura do Acordo de Lisboa, destacando a singularidade do processo cabo-verdiano face a outras colónias portuguesas. Almada e Santos analisou as pressões internacionais (ONU, OUA), o papel do PAIGC e as tensões internas em Portugal, incluindo a resistência de setores que viam em Cabo Verde uma “excecionalidade” suscetível de adiar a independência. A sua exposição ajudou a compreender a complexidade do diálogo entre o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (então parte do PAIGC) e o governo português, bem como o impacto das circunstâncias globais, marcadas pela Guerra Fria, nas negociações.
Em simultâneo, um painel de debate reuniu protagonistas e testemunhas diretas do processo, entre os quais Pedro Pires e Osvaldo Lopes da Silva, cuja participação trouxe à tona memórias vivas desse período crucial. Foram discutidos aspetos pouco conhecidos das negociações – das greves e prisões em Cabo Verde até a hesitação inicial do presidente português António de Spínola e as difíceis concessões de parte a parte –, contribuindo para desmistificar narrativas simplificadas e oferecendo um olhar mais rico e matizado sobre a história.