Desde 2018, Cabo Verde caminha para a certificação oficial de eliminação do Paludismo pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta reportagem explora as soluções, estratégias e desafios deste processo, bem como o seu potencial como modelo para o continente africano.
A luta contra o Paludismo em Cabo Verde tem raízes históricas profundas e uma trajetória cheia de nuances. O país já havia eliminado a doença em algumas ocasiões no passado recente, nomeadamente nos anos 70 e 80; contudo, a eliminação sustentada revelou-se um desafio.
Desde 2010, Cabo Verde integra a iniciativa E-2025 da OMS, um grupo seleto de países com baixa incidência do paludismo e sistemas de saúde robustos, aptos a detetar, tratar e seguir os casos da doença. O marco mais recente desta batalha foi em 2018, quando o país atingiu um patamar de zero casos autóctones registados, abrindo caminho para solicitar uma avaliação formal à OMS. Esta avaliação envolve não apenas a ausência de casos, mas também a existência de um sistema de vigilância epidemiológica e entomológica eficiente.
Assim sendo, o compromisso atual passa por manter este estatuto de "zero casos" e evitar a reintrodução da doença no país. Para alcançar isso, um conjunto de estratégias foi implementado, desde o controle de vetores até a formação de pessoal técnico e a colaboração com entidades académicas e internacionais. Todavia, apesar desses avanços notáveis, o país enfrenta desafios únicos, nomeadamente a sua geografia insular, a resistência dos mosquitos aos inseticidas e a necessidade de uma comunicação eficaz para a mudança de comportamento na população.
Soluções e Inovações: Combatendo a Resistência a Inseticidas
Um dos desafios mais prementes no combate ao paludismo em Cabo Verde é a resistência dos mosquitos aos inseticidas. Segundo Jude Bigoga, consultor da OMS, a resistência ocorre principalmente devido à aplicação inadequada de químicos. Mosquitos que desenvolvem resistência a esses inseticidas tornam-se um problema sério para futuros esforços de controlo da doença. Outro desafio técnico é a carência de formação em entomologia do paludismo. Para que Cabo Verde mantenha seu estado livre desta doença após a certificação, é crucial que haja uma capacitação contínua em entomologia. Isso permitirá uma vigilância entomológica constante e contínua, fornecendo dados para tomadas de decisão baseadas em evidências.
A OMS tem treinado formadores em todas as ilhas de Cabo Verde. O objetivo centra-se na criação de uma força de trabalho qualificada que possa coletar e interpretar dados entomológicos para informar estratégias de controle de vetores.
Neste sentido, a colaboração com instituições académicas, como a Universidade de Cabo Verde, também é vista como um meio para fortalecer a investigação e a formação em entomologia do paludismo. Esta colaboração não só ajuda a preencher a lacuna de conhecimento, mas também proporciona uma plataforma para a inovação e o desenvolvimento de novas estratégias de controle. Os desafios são consideráveis, mas não insuperáveis. Com a colaboração contínua entre os vários stakeholders, e um foco em abordar os desafios técnicos através da formação e investigação, Cabo Verde está bem posicionado para manter seu status de país livre do paludismo a longo prazo.
Importância da Comunicação: Alcançar as Comunidades
A comunicação e a educação pública surgem como elementos fundamentais para o sucesso do programa de eliminação do paludismo em Cabo Verde. Conforme observado por Jude Bigoga e Adilson de Pina, responsável pelo Programa de Eliminação de Paludismo em Cabo Verde, a eficácia das intervenções depende amplamente da aceitação e adesão da comunidade. A falta de uma comunicação eficaz pode resultar em resistência da população, como é o caso da recusa em permitir a pulverização intradomiciliar. Ambos os investigadores destacam a necessidade de empoderar o público com informações adequadas. Adilson de Pina menciona um estudo recente sobre Conhecimento, Atitudes e Práticas (CAP), que demonstrou um aumento no nível de conhecimento sobre o paludismo, graças aos esforços de comunicação. Jude Bigoga reitera que qualquer intervenção sem a colaboração da comunidade está condenada ao fracasso, tornando a comunicação uma "ligação importante" para o sucesso do programa.
O Ministério da Saúde tem utilizado várias plataformas para disseminar informações, mas enfrenta desafios relacionados aos custos de comunicação em Cabo Verde. O engajamento com universidades e outras instituições académicas pode fornecer um meio eficaz de alcançar o público, especialmente os jovens, com informações cientificamente sólidas e práticas recomendadas. A comunicação não se limita apenas a informar, ela deve também educar. A educação pública é vista como um meio de assegurar a sustentabilidade do programa pós-certificação, pois ajuda a manter a vigilância comunitária e o comprometimento em práticas de prevenção.
O Futuro: Sustentabilidade e Replicabilidade
Um dos pontos mais relevantes levantados por Jude Bigoga é a necessidade de sustentabilidade após a certificação de eliminação do paludismo. Para evitar qualquer reestabelecimento da doença, Bigoga enfatiza a importância de uma "vigilância entomológica constante e contínua na era pós-eliminação". A capacitação em entomologia do paludismo e controle de vetores é essencial para garantir essa sustentabilidade.
Bigoga destaca que Cabo Verde possui características únicas como um arquipélago, o que facilita o controle e eliminação do paludismo. No entanto, ele também sugere que o sucesso de Cabo Verde pode servir como um modelo para outros países. Embora os desafios enfrentados por países continentais possam ser diferentes, as estratégias eficazes e as lições aprendidas em Cabo Verde têm o potencial de influenciar programas de eliminação do paludismo em outras nações.
O sucesso de Cabo Verde na eliminação do paludismo apresenta uma oportunidade para replicabilidade, especialmente em outras nações insulares com características semelhantes. A abordagem multissetorial adotada por Cabo Verde, envolvendo diversas entidades como o Ministério da Saúde, a Universidade de Cabo Verde e outros parceiros, pode ser um modelo replicável.
A Missão Coletiva para uma África Livre do Paludismo
Manter o "zero caso" é o desafio imediato, mas como Bigoga sublinha, o objetivo final é a erradicação do paludismo em todo o continente africano. Este é um objetivo a longo prazo que exigirá um compromisso sustentado e estratégias inovadoras baseadas em dados e investigação científica. O caminho a seguir exige uma abordagem equilibrada que considere tanto a sustentabilidade dos esforços atuais quanto o potencial para replicar o sucesso de Cabo Verde em outros contextos. A colaboração contínua entre todos os stakeholders e um forte enfoque na formação e investigação são fundamentais para alcançar esses objetivos.
O conceito de sustentabilidade e a possibilidade de replicar o modelo de Cabo Verde em outras nações oferecem uma visão de um futuro em que o paludismo pode ser uma doença do passado. Enquanto Cabo Verde se aproxima do marco de "zero caso", o país tem a oportunidade não só de proteger os seus próprios cidadãos, mas também de servir como um farol de esperança e um modelo prático para outros países. Assim, o futuro da eliminação do paludismo em Cabo Verde e em outros lugares de África parece ser uma questão não apenas de ciência e técnica, mas também de colaboração, comunicação e, acima de tudo, vontade coletiva.