Desde 2008, quando a crise estourou nos países europeus, a União Europeia adotou algumas medidas para melhorar a situação económica e social crítica em que se encontrava. Uma dessas medidas foi investir na investigação e inovação para o futuro da Europa, desenvolvendo programas de estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. O programa Horizonte 2020, aprovado pelo Parlamento Europeu a 21 de novembro de 2013, surgiu para alcançar os objetivos da Estratégia Europa 2020 lançada pela Comissão Europeia para assegurar a saída da crise. O maior programa de investigação e inovação da União Europeia deverá conduzir a mais descobertas, avanços e lançamentos mundiais transferindo ideias inovadoras dos laboratórios para o mercado. Além do mais, pretende reforçar a posição da UE enquanto líder mundial na área da ciência, atraindo os cérebros mais brilhantes e ajudando os cientistas a trabalhar em estreita colaboração e a partilhar ideias em toda a Europa.

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Um dos interesses do programa é a “Pequena Agricultura” que se espelhou em alguns países da América Latina, onde esta técnica estava muito mais avançada em termos de conhecimento. SALSA (Small Farms Small Food Business Sustainable Food and Nutrition Security) foi um dos projetos a promover as pequenas explorações, pequenos negócios agroalimentares e segurança alimentar e nutricional sustentáveis que tem 5 objetivos: 1) Avaliar cuidadosamente o papel atual de pequenas explorações e pequenas empresas do setor alimentar na Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) sustentável na Europa e nas regiões africanas selecionadas; 2) Avaliar os meios através dos quais as pequenas explorações podem responder ao aumento esperado na procura por comida por uma população crescente e num mundo com recursos cada vez mais limitados; 3) Avaliar a capacidade das pequenas explorações e pequenas empresas alimentares para contribuir para a SAN em diferentes cenários para 2030/50 e identificar os principais fatores determinantes na capacidade de resposta; 4) Promover a cooperação e investigação internacional (em particular UE-África) e desenvolver ferramentas que guiem os decisores no reforço do papel das pequenas explorações agrícolas na SAN; 5) Estabelecer uma comunidade de prática e promover a utilização de plataformas e redes europeias de modo a reforçar a voz da pequena agricultura no debate global sobre segurança alimentar e nutricional.

O projeto financiado pelo programa Horizonte 2020 tem como objetivo trazer mais informações à União Europeia no sentido de ela poder direcionar melhor as suas políticas públicas. O projeto inclui 25 regiões de referência na Europa e enquadra, também, 5 regiões de referência em África com intuito de ajudar no desenvolvimento do continente. Cabo Verde integra-se, através da Escola de Ciências Agrárias e Ambientais (ECAA), neste grupo juntamente com Tunísia, Gana, Malawi e Quénia. A região de referência selecionada para Cabo Verde foi a ilha de Santiago. 

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Os professores da Unidade Orgânica da Uni-CV, Elsa Simões e Arlindo Fortes, são os co-líderes do projeto em Cabo Verde. Elsa Simões conta-nos que a integração ao projeto foi um convite da Universidade de Évora, Portugal.

“Nós fomos chamados pela Universidade de Évora com quem já temos alguma relação de cooperação, seja do ponto de vista da universidade, seja do ponto de vista até pessoal, e foi em finais de 2013 que nós começamos a trabalhar na futura proposta de candidatura. Passamos dois anos a elaborar o projeto, a discutir, a enviar dados e a trocar informações.”

Segundo a professora Elsa Simões, o projeto SALSA foi um dos projetos mais bem avaliados pelo programa Horizonte 2020. “Eram 60 propostas e o projeto foi o mais bem avaliado pelo júri H2020 em todas as categorias. Em 2015, foi selecionado e em abril de 2016 começamos a trabalhar. O financiamento foi de 5 milhões de euros.”

O valor destinado à Universidade de Cabo Verde foi cerca de 10 mil contos, como meio de subsidiar as despesas provenientes da investigação (deslocações, estadia, conferências, verbas para publicações, livros e artigos). “A Universidade também ganha, obtendo através de um overhead de 25% que permite compensar a Uni-CV pelas despesas de funcionamento. Isso é uma forma de nós também gerarmos receitas para instituição e como todos sabemos, a universidade não é financiada 100%.” 

Para o professor Arlindo Fortes, a União Europeia reconhece que a pequena agricultura familiar tem um papel relevante na segurança alimentar sustentável e este projeto vem trazer à “luz” a contribuição que a pequena agricultura tem no sistema de segurança alimentar em cada um dos países. “Porque, hoje, não se sabe quantos é que são, onde estão e quanto é que contribuem para segurança alimentar seja na Europa, seja em África e particularmente no caso cabo-verdiano. Porque muita vezes ouve-se falar apenas da grande agricultura com tecnologia modernizada etc, e não se sabe em que ponto esta pequena agricultura contribui para o sistema alimentar e para o sistema de segurança alimentar ao nível das próprias regiões. Tentaremos avaliar a pequena agricultura familiar nos seus aspetos qualitativo e quantitativo. Também se irão construir cenários e fazer projeções para o futuro", afirma.

No nosso caso concreto, em Cabo Verde temos maioritariamente um tipo de agricultura de pequena dimensão. Segundo as estatísticas, 98 a 99% da nossa agricultura é familiar. Elsa Simões explica que essa caraterização advém, essencialmente, porque a área agrícola no país varia em média de 0,25-0,5 a 2 hectares e utiliza a mão de obra da família. “Por isso o nosso interesse total é usar a metodologia qualitativa a par da quantitativa. Nós não estamos aqui muito na perspetiva de quantos são, qual é área, isso vai-se saber sim, mas não é o foco. É acima de tudo perceber o papel que essas explorações em termos da garantia da segurança alimentar e nutricional, que é um aspeto importante.”

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A professora Elsa explica, ainda, que a escolha do método qualitativo vem, precisamente, para compreender os números após obtê-los. “Uma das grandes lacunas que Cabo Verde tem em termos da agricultura é exatamente a falta de estudos e dados. Portanto, em termos de estatística agrícola temos grandes dificuldades; ultrapassando a questão dos números, vem a questão de os compreender. Saber como analisamos e com que olhos ver é muito mais importante do que apenas tê-los.” 4 alimentos básicos são selecionados através de Focus Group com as individualidades elencadas segundo os critérios técnicos e económicos para realizar um estudo do sistema alimentar para cada produto: frutas (banana), legumes (tomate), cereais (milho), carne (frango).

Da amostra dos 35 agricultores pesquisados, 46% (16) cultivam banana, 63% (22) tomate, 23% (8) milho e 57% (20) dedicam-se à criação de frangos. É preciso destacar que estes pequenos agricultores entrevistados em Santiago não só produzem estes produtos, mas também têm uma grande diversidade de culturas para satisfazer as suas necessidades alimentares e acompanhar a sazonalidade dos produtos.

Desse modo, podemos afirmar que o projeto é interdisciplinar, o que torna a qualidade um dos pilares deste. Para Elsa Simões, os aspetos qualitativos permitem perceber a dinâmica de interajuda. “Tínhamos informações que não são diretamente quantificáveis. Informações que permitem perceber a dinâmica, os aspetos de interajuda. Uma estratégia de ações que permite perceber a dinâmica aqui seria uma vertente sociológica que cruza também o conhecimento quantitativo.”

Uma de entre outras tipologias utilizadas no projeto, também, é o nível da autossuficiência e o nível de integração no mercado. “Muitas vezes pensamos que os nossos agricultores só produzem para o próprio consumo, no entanto os nossos trabalhos mostram-nos que não. Quase 80% tem um alto nível de autossuficiência, mas também tem um alto nível de integração no mercado”, reitera.

Os nossos resultados indicam que a) 14% SF estão localizados no tipo 1 - agricultores de meio período (part-time farmers), fraca orientação para o mercado (mais pobre, sem contratos, alta proporção da produção não é comercializada (fica na família), agricultores novos/jovens). A agricultura parece ser uma atividade secundária que complementa outras fontes de renda, geralmente por jovens agricultores que começaram a cultivar como opção própria; b) 4% SF estão localizados no tipo 2 - lutadores convencionais (Conventional Strugglers), forte orientação para o mercado, a agricultura é responsável por uma alta proporção de renda; c) 71% SF estão localizados no tipo 3 - empreendedores convencionais (Conventional Entrepreneurs), fraca orientação para o mercado (mais pobre, sem contratos, alta proporção da produção não é comercializada (alto consumo próprio das famílias), a agricultura está enraizada na tradição), relativamente envelhecidos e integra trabalho da família. 

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Arlindo Fortes acrescenta que por adotarem a metodologia qualitativa, o trabalho é baseado em entrevistas a informantes-chave, aos produtores, Focus Group, e workshops com todos os parceiros do projeto. “Aqui entram uma grande diversidade de investigadores e parceiros. As instituições participantes foram: cooperativas de produtores Justino Lopes e 13 Novembro, instalações de abate, Câmara Municipal da Praia e Assomada; processadores (pequeno/grande) Upranimal, doces artesanais, SoDoce, Moave; Grossistas Importex, Irmãos Correia; Retalhistas Fenícia; Fornecedores Catering Mirage Hotel Praia Mar, outras pequenas empresas de alimentos rabidantes; Exportadores Monte Negro, SEMEDO IMPORT E EXPORT, LDA, Câmara de Comércio, Industria e Serviços de Sotavento; Importadores Sociedade Agrícola Ilha Verde, Moave, SOCIEX; Fornecedores de imputs agrícolas Cabo Sementes, Agrocentro, Agroprodutos; Serviços de aconselhamento Delegação de Santa Cruz, Delegação de Tarrafal, Delegação de São Domingos; Administração agrícola / Ministério da Agricultura, Direção Geral Da Agricultura Silvicultura e Pecuária, Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário, Ministério de Agricultura e Ambiente; Grupos/Organizações de consumidores, Associação para Defesa do Consumidor (ADECO), Federação Nacional das Cooperativas de Consumo (FENACOOP); Administradores locais e formuladores de políticas CM São Lourenço dos Órgãos, CM Santa Cruz; Líderes políticos da Rede parlamentar para a População, Desenvolvimento e Luta Contra a Pobreza; Outros programas/iniciativas UCP-PNLP, CRP Santiago Sul, CRP Santiago Norte; Nutricionista FICASE, Ministério de Saúde, Segurança Alimentar; ONG’s CARITAS, ASDIS. Foram efetuadas 40 entrevistas (35 Agricultores + 5 pequenos negócios alimentares) + Entrevistas a informantes Chaves (2 to 25 de Julho de 2017).

O investigador explica que vão ser avaliadas as 4 componentes do sistema alimentar: produção, transformação, distribuição e consumo, e que o projeto atua em grupos de trabalhos, o denominado “Workpackage”. Em Cabo Verde, são eles os co-líderes do grupo 6, atuando precisamente na elaboração de orientações de políticas públicas. Daí a importância de se integrar todos agentes fundamentais da agricultura. 

Em 2018 os investigadores que trabalharam no WP2 conseguiram alcançar o levantamento e a identificação de 609 pontos em todos os concelhos de Santiago para verificação da produção previamente identificada, por imagens de satélite, para análise da diversidade produtiva. Já na reta final do projeto trabalharam afincadamente no WP3 e no WP4. O WP3 tem a ver com uma análise mais aprofundada dos sistemas de produção onde se procederam com as entrevistas no terreno para perceber os estrangulamentos que existem em termos de produção e comercialização. O WP4 tem a ver com as questões de estratégias de cenários em 2030 e 2050, sendo feitos através dos workshops e focus groups.

Há ainda o WP6, que procura propor políticas públicas e o WP7 que trabalha não só com as questões de comunicação do projeto mas também de redes.

Em termos de comunicação, Elsa Simões explica que os gestores do projeto (Universidade de Évora) realizam várias atividades promovendo, assim, trocas de ideias e experiências. “Temos tido E-Conferences através de uma plataforma da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). A FAO é uma das parceiras, então está muito envolvida neste projeto. E nós também temos tidos grupos de comunidades de prática que são discussões online.”

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Para o professor Arlindo, tudo tem sido desafiador. “Estamos a aprender portanto são coisas que não sabíamos de antemão. Muitas vezes temos de solicitar mais informações aos parceiros que têm mais experiência neste tipo de projeto, o que para nós é sobretudo um acúmulo de experiência que vamos tendo.” Entendemos que existe a necessidade de introduzir inovação para o aumento da produção, qualidade da produção. As inovações devem passar por transformações ligadas ao melhoramento dos processos de cultivo agrícola de modo a aumentar a escala e a qualidade da produção e explorar outros mercados como o mercado turístico.

Expressa ainda o desejo de partilhar os resultados de todo o trabalho feito com o povo cabo-verdiano. “O nosso desejo é poder partilhar com a sociedade cabo-verdiana e o poder político os resultados desta investigação e que esses resultados possam refletir em termos daquilo que a governação possa melhorar em termos das políticas públicas que desenham e que implementam.”

Diz ainda que este é um mega projeto, eventualmente, no sentido de incrementar maior inovação à economia. “Percebe-se que a economia europeia abrandou, esfriou e precisa trazer a inovação. Então as universidades foram chamadas através desse programa para trazer inovação nas mais diferentes áreas. Por isso é que são cerca de 17 parceiros, o que para nós é reconfortante fazer parte do grupo tão vasto. Todos que lá estão, são investigadores de topo e estar a acompanhar os avanços de investigação, das metodologias e do que se está a fazer neste momento em termos de investigação para nós é reconfortante e sobretudo estar ao nível das expectativas.”  

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Para a investigadora Elsa Simões, é uma oportunidade da ECAA dar seu contributo à sociedade cabo-verdiana. “Nós sentimos endossados para a Universidade de Cabo Verde no sentido de contribuir com conhecimento e com informações para o país, no sentido de permitir que as políticas públicas para o setor agrícola sejam as melhores possíveis e que a ECAA possa ser um instrumento da sociedade e do desenvolvimento agrícola.  

Para os investigadores, este é o momento para a Uni-CV “dar o sinal à sociedade e aos parceiros” criando, assim, uma maior credibilidade. 

“Penso que não é só vantagem para a própria universidade e mas também para a nossa escola poder participar até o fim com sucesso num programa destes, além de ficar no currículo da própria escola, que depois poderá ser convidada para futuros projetos. Penso que esses projetos têm essa vantagem de não só trazerem propostas de investigação, mas também uma equipa que pode apoiar e produzir resultados que poderão ser publicados em revistas, e portanto a universidade pode estar a contribuir de forma ativa e sustentável para aumento do conhecimento nesta área”, expressa Arlindo Fortes.

O projeto Small Farms Small Food Business Sustainable Food and Nutrition Security conta com um total de 17 parceiros entre universidades, gabinetes e ONGs de vários países da Europa e da África, igualmente, proporciona um diálogo Europa/África.

O projeto é financiado pelo programa Horizonte 2020 da União Europeia conjugando a investigação e inovação e assentando em três pilares: excelência científica, liderança industrial e desafios societais.

https://www.youtube.com/watch?v=86xD7EBXmmo&feature=emb_logo

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