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A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), a Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC) e a Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) formalizaram esta terça-feira, 10 de dezembro, no Campus do Palmarejo Grande, a criação do Centro de Verificação de Factos de Cabo Verde, designado CV Fact. O novo organismo nasce com o objetivo de combater a desinformação, reforçar a literacia mediática e proteger a qualidade da democracia no país, num contexto de crescente circulação de conteúdos falsos e manipulados no espaço digital.

O protocolo institucional que cria e regula o funcionamento do CV Fact foi assinado pela presidente da ARC, Arlinda Barros, pelo reitor da Uni-CV, José Arlindo Barreto, e pelo presidente da AJOC, Jeremias Furtado, numa cerimónia que contou com o apoio do escritório conjunto do PNUD, UNFPA e UNICEF em Cabo Verde, bem como com a presença de representantes de órgãos de soberania, entidades reguladoras, órgãos de comunicação social e sociedade civil.

Na abertura, o reitor da Uni-CV sublinhou que a desinformação, alimentada pelas novas tecnologias e, em particular, pela inteligência artificial generativa, constitui hoje uma ameaça direta à qualidade da democracia cabo-verdiana. Recordou que já circulam no país falsos vídeos e áudios atribuídos a figuras públicas, desde responsáveis políticos a jornalistas, que nunca proferiram aquelas declarações. “Somos enganados por aquilo que vemos e ouvimos”, alertou, defendendo a necessidade de um centro especializado que ajude a separar factos de manipulações e conteúdos artificiais.

José Arlindo Barreto insistiu que a criação do CV Fact não se destina apenas a períodos eleitorais, mas é uma infraestrutura estrutural de defesa do espaço público e dos direitos dos cidadãos. “Este centro é importantíssimo para Cabo Verde, para o presente e para o futuro”, afirmou, garantindo o empenho da universidade em acolher e sustentar cientificamente a iniciativa.

A Coordenadora Residente do Sistema das Nações Unidas em Cabo Verde, Patrícia Portela de Souza, enquadrou o lançamento do CV Fact no Dia Internacional dos Direitos Humanos, assinalado a 10 de dezembro. Na sua intervenção, defendeu que informação de qualidade é um bem público e parte integrante da infraestrutura democrática contemporânea, ligando a integridade da informação ao direito à verdade, à liberdade de expressão e à não discriminação. Lembrou que a desinformação e o discurso de ódio atingem de forma particular mulheres, meninas, pessoas LGBTIQ+ e jornalistas, muitas vezes com repercussões fora do mundo digital, em situações de violência real.

A responsável das Nações Unidas destacou que Cabo Verde se posiciona como referência na África lusófona ao criar um centro dedicado à verificação de factos e à literacia mediática, e anunciou o apoio técnico à implementação da plataforma Iverify, ferramenta digital que permitirá monitorizar o espaço online, receber denúncias de conteúdos suspeitos e publicar verificações acessíveis ao público.

Numa apresentação detalhada, o Conselheiro da  ARC, Alfredo Pereira descreveu o CV Fact como um centro independente, de utilidade pública e sem fins lucrativos, assente num modelo híbrido que combina regulação, investigação académica e prática jornalística. A coordenação editorial e operacional caberá à ARC; a Uni-CV acolherá o núcleo científico e académico, responsável por estudos, relatórios e produção de conhecimento sobre integridade da informação; e a AJOC indicará jornalistas experientes para funções de coordenação, trabalhando em estreita ligação com uma equipa de fact-checkers recrutados entre estudantes da universidade.

O método de trabalho do CV Fact assenta em várias etapas: identificação das narrativas com potencial impacto público, através de monitorização e denúncias; seleção dos casos mais relevantes; investigação rigorosa recorrendo a pesquisa documental, contacto direto com fontes, análise técnica de imagens e vídeos e ferramentas digitais; classificação dos conteúdos; revisão editorial por coordenadores experientes; e publicação dos resultados em relatórios claros e transparentes. As verificações poderão ser classificadas como verdadeiras, falsas, parcialmente verdadeiras, descontextualizadas ou impossíveis de verificar, sendo explicitados os critérios e provas utilizados em cada caso.

Ficou igualmente claro que o centro não intervirá sobre opiniões ou previsões de caráter subjetivo, concentrando-se em conteúdos com relevância pública e potencial de dano real, nas áreas política, económica, social, sanitária ou outras, em especial quando estejam em causa a confiança nas instituições, a saúde pública ou a coesão social.

O representante residente do escritório conjunto PNUD–UNFPA–UNICEF, David Matern, citou documentos estratégicos do sistema das Nações Unidas que identificam a “poluição informacional” como uma ameaça existencial às democracias, e lembrou que relatórios internacionais colocam a desinformação entre os principais riscos globais para 2025. O CV Fact, afirmou, pretende ser “um escudo contra a mentira e um farol para a verdade”, reforçando a resiliência democrática e servindo de plataforma para a cooperação entre Estado, academia, jornalistas e sociedade civil.

No discurso de encerramento, o secretário de Estado adjunto do Primeiro-Ministro, Lourenço Lopes, classificou o novo centro como “uma trincheira moral, institucional e cívica na defesa da verdade” e sublinhou que Cabo Verde “não ficará neutro perante a mentira organizada”. Defendeu que a verdade é fundação do Estado de direito e que a democracia não se constrói sobre boatos, mas sobre informação verificada e responsável, distinguindo claramente a missão do CV Fact de qualquer ideia de censura: trata-se, insistiu, de reforçar a liberdade de expressão com responsabilidade e de apoiar o jornalismo que informa, em vez de intoxicar o debate público.

Concluída a assinatura do protocolo e apresentadas as linhas gerais de funcionamento, os parceiros insistiram que o sucesso do CV Fact dependerá também do envolvimento dos cidadãos, dos meios de comunicação social e das instituições. O centro deverá agora avançar para a fase operacional, com a instalação plena da equipa, o arranque da plataforma digital e a definição de programas de literacia mediática e formação para estudantes e profissionais da comunicação.

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