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A educação inclusiva não é um favor, nem uma opção política conjuntural, mas “um direito humano fundamental” e “um teste decisivo à qualidade da democracia cabo-verdiana”. A ideia foi sublinhada pelo Professor Silvino Lopes Évora, da Universidade de Cabo Verde, na conferência inaugural do III Congresso Cabo-verdiano de Educação Inclusiva (ConCEI), que decorre entre os dias 4 e 5 de dezembro, no centro de Convenções do Campus do Palmarejo Grande.

Com o tema “Educação Inclusiva na perspetiva dos direitos humanos: os percursos de Cabo Verde”, o conferencista começou por situar o debate no plano da dignidade da pessoa humana, recordando que a Constituição da República de Cabo Verde consagra o país como uma República democrática fundada nesse princípio, e que direitos como a liberdade, a igualdade e o acesso à educação não resultam de “dádivas do Estado”, mas de direitos intrínsecos a cada pessoa.

Retomando referências clássicas do constitucionalismo contemporâneo, Silvino Évora destacou que a educação inclusiva deve ser entendida como “imperativo jurídico e desígnio civilizacional”, e não apenas como mais uma política setorial. “Quando falamos de educação inclusiva, falamos da obrigação de garantir que qualquer pessoa, independentemente da deficiência ou limitação que tenha, possa aprender, conviver e participar em igualdade de condições no espaço escolar e na sociedade”, afirmou.

Ao longo da sua intervenção, o Professor percorreu quatro eixos principais: o enquadramento jurídico dos direitos humanos e do direito à educação; o desenvolvimento do quadro normativo cabo-verdiano em matéria de inclusão; as tensões entre o texto da lei e a realidade; e os desafios atuais e futuros para o sistema educativo.

Silvino Évora recordou dados de recenseamentos que revelam, ao longo dos anos, a presença de milhares de pessoas com deficiência fora do sistema educativo e uma redução progressiva da sua participação à medida que se sobe nos níveis de ensino. “Mais crianças e jovens com deficiência entraram na escola, mas muitas não conseguem permanecer e progredir, o que aponta para falhas no acompanhamento, na avaliação e na adaptação das práticas pedagógicas”, observou.

Um dos pontos mais enfatizados foi a formação dos docentes. Citando estudos nacionais, referiu que a maioria dos professores inquiridos nunca tinha tido contacto, na sua formação inicial, com conteúdos sistemáticos sobre educação inclusiva. “Não basta abrir as portas da escola e dizer que somos inclusivos. É preciso que quem está na sala de aula tenha preparação teórica, pedagógica e ética para responder à diversidade real dos alunos”, sublinhou.

O conferencista partilhou também experiências vividas na Uni-CV, ao acompanhar estudantes com diferentes tipos de deficiência, desde limitações motoras a dificuldades sensoriais e problemas de saúde mental, evidenciando desafios concretos ao nível da comunicação, da avaliação e da articulação com as famílias. Chamou a atenção para a necessidade de avaliação diferenciada, de recursos de apoio especializado e de uma relação mais próxima entre universidade, escolas e famílias, de forma a evitar situações de isolamento e sofrimento silencioso dos estudantes.

Entre os desafios futuros, destacou: a aposta consistente na formação contínua de professores e de outros profissionais da educação; a revisão curricular e a adaptação das metodologias de ensino e de avaliação; o reforço de recursos humanos e materiais para acessibilidade e apoio especializado; e o fortalecimento da relação escola-família-comunidade, condição indispensável para que o princípio da inclusão se traduza em práticas quotidianas.

Na parte final da conferência, Silvino Évora sublinhou que a educação inclusiva é a “pedra angular” do compromisso de Cabo Verde com os direitos humanos. “Uma sociedade que deixa para trás as pessoas com deficiência falha no essencial da sua promessa democrática”, afirmou, apelando a que Estado, escolas, universidades, famílias e organizações da sociedade civil assumam, de forma concertada, a responsabilidade de tornar efetivo o direito de todos à educação.

O professor concluiu com um desejo dirigido à comunidade académica presente no III ConCEI: “Que o próximo congresso não espere mais dez anos para acontecer e que, quando nos voltarmos a reunir, possamos mostrar avanços concretos na construção de um sistema educativo verdadeiramente inclusivo em Cabo Verde.”

A conferência inaugural marcou, assim, o arranque do programa científico do III Congresso Cabo-verdiano de Educação Inclusiva, que prossegue com painéis temáticos, comunicações científicas e mesas-redondas dedicadas às políticas, práticas e experiências de inclusão em contexto escolar e comunitário.

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