Existem viagens que se medem em quilómetros e outras que se medem pela coragem. Para quatro estudantes do curso de licenciatura em Enfermagem da Universidade de Cabo Verde, a distância entre as ilhas e a cidade de Bragança, em Portugal, foi percorrida em ambas as unidades. João Menezes, Eunice Tavares, Iraty Monteiro e Janile Gonçalves partiram em mobilidade académica à procura de conhecimento, mas o que encontraram foi um profundo mapa de si mesmos.

Numa caminhada de dupla imersão — primeiro, na realidade de um sistema de saúde europeu e, depois, na complexa arena de debate da simulação CMS Model WHO 2025 —, estes futuros enfermeiros enfrentaram a dúvida, a ansiedade e o medo do desconhecido. Regressaram com novas técnicas, mas com uma força redescoberta e uma lição unânime: o verdadeiro crescimento começa precisamente onde a zona de conforto termina.

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O salto para o desconhecido

Na origem de cada viagem, há um sonho. Para João Menezes, estudante do polo II, em São Vicente, era o desejo de "marcar a diferença" e conhecer a fundo o funcionamento de um sistema de saúde no exterior. Para Eunice Tavares, do Campus do Palmarejo Grande, a mobilidade representava o culminar de uma ambição nascida no ensino secundário: desafiar-se e mostrar o seu potencial.

A motivação de Janile Gonçalves foi moldada numa experiência profundamente pessoal. Após cuidar da sua avó, diagnosticada com um acidente vascular encefálico (AVE), a Enfermagem tornou-se o seu caminho. Ir para Bragança era uma forma de "abrir fronteiras ao conhecimento" e um dia poder trazer melhorias para o sistema de saúde que conhecia tão de perto. Já Iraty Monteiro, de Mindelo, era movida por uma ansiedade perfecionista, o desejo de não desiludir todos os que a apoiavam e de cumprir o seu propósito: "servir a Deus, servindo o seu povo".

Quatro estudantes, quatro pontos de partida, mas um destino comum: a cidade portuguesa de Bragança e a inevitável colisão com a realidade.

A Realidade da dúvida: "O que é que eu vim fazer aqui?"

Longe de casa, o sonho rapidamente deu lugar à provação. O sentimento, descrito por quase todos, era uma pergunta que ecoava nos momentos de silêncio: "Será que isto é realmente para mim?" "O mais difícil foi sair da minha zona de conforto, adaptar-me a uma nova realidade, com pessoas novas, materiais novos, um lugar com tecnologia de ponta", confessa João, que lutava constantemente contra as saudades de casa e dos colegas. Eunice partilha da mesma vulnerabilidade: "Não vou negar que, no início, senti que não pertencia a este lugar. Chorei algumas vezes, com saudades de casa. Houve momentos em que me senti inferiorizada e pus em causa o meu valor".

Para Iraty, a luta era interna, uma ansiedade alimentada pelo perfeccionismo. "Manifestava-se em casa quando eu estava sozinha... era sempre pelo medo de não conseguir cumprir o meu propósito", explica. A esta pressão somava-se a responsabilidade de viver longe dos pais pela primeira vez.

No entanto, foi nesse terreno de desconforto que as primeiras sementes de resiliência começaram a germinar. "Enfermagem é Enfermagem em qualquer parte do mundo", concluiu Iraty, encontrando força na universalidade da sua vocação. Eunice, por sua vez, agarrou-se ao seu objetivo principal: "mostrar o meu valor e, acima de tudo, demonstrar a força do ensinamento que recebi".

O Palco Global: A voz que treme e a força que emerge

Se Bragança foi o teste à sua resiliência pessoal, a participação na CMS Model WHO 2025 foi o teste à sua voz coletiva. Numa simulação da Organização Mundial da Saúde, rodeados de estudantes de todo o mundo, o desafio era monumental. A barreira do inglês era o primeiro obstáculo.

"Lembro-me que ao apresentar o discurso no meio de tanta gente foi difícil, tremia-me todo", recorda João. Eunice partilha o mesmo sentimento: "Pensei em desistir de participar. Sinceramente, questionei a nossa capacidade para representar a nossa universidade".

Foi aqui, na arena do debate global, que os pontos de viragem aconteceram. Para João, o medo transformou-se em força quando, após a sua intervenção trémula, outros delegados o elogiaram. "Eles ressaltaram a normalidade de estar nervoso. A partir daí ganhei confiança para seguir em frente e participar nos debates".

Para Eunice, a força não veio de fora, mas de dentro do próprio grupo. "O que me encorajou, sem dúvida, foi a presença e o apoio dos meus colegas. A união do grupo foi fundamental. Juntos superámos os desafios".

Com uma perspetiva única de quem vem de um país em desenvolvimento, eles perceberam o seu valor. "Pude ter a sensibilidade de observar e dialogar sobre os problemas e chegar a um consenso de forma civilizada, em prol de todos, e não agir cegamente defendendo apenas o interesse do meu país", reflete Iraty. Janile, por seu lado, viu a ponte entre os mundos: o cuidado individual que prestou à sua avó e as políticas globais que ali se discutiam. "Essa vivência reforçou a importância de uma abordagem colaborativa e inovadora", afirma.

A enfermagem para além da técnica: o regresso a casa

Eles voltaram. Mas não eram os mesmos. A bagagem que trouxeram de Portugal vai muito para além das competências técnicas. "A estudante que voltou, aprendeu que ser enfermeira é muito mais do que dominar técnicas — é sobre empatia, escuta e humanidade", resume Eunice de forma brilhante. Janile complementa, fundindo as suas experiências: "A dor pessoal, o percurso académico e a visão global definem a enfermeira que quero ser: próxima, humana, mas também informada, ativa e comprometida com uma saúde mais justa". A grande lição de João é um mantra para a vida: "Não tenhamos medo de encarar o diferente, de conhecer o novo e de estar em constante aprendizagem!".

A mensagem que deixam aos colegas da Uni-CV é um testemunho poderoso da sua transformação. "Acreditem em vocês, agarrem as oportunidades que a vida e a Uni-CV pode vos dar", incentiva João.

Eunice conclui com as palavras que talvez melhor definam a essência de toda esta caminhada: "Se têm medo, vão com medo mesmo. Porque é aí que começa o verdadeiro crescimento".

As histórias de João, Eunice, Iraty e Janile são um espelho do potencial transformador da educação quando aliada à coragem. Eles levaram o nome da Universidade de Cabo Verde para além-fronteiras e, no processo, descobriram que a maior fronteira a ser cruzada era a que existia dentro deles mesmos. Regressam mais fortes, mais conscientes e prontos para construir o futuro da enfermagem em Cabo Verde.

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