Investigadores dos PALOP e da Costa do Marfim apresentaram estudos sobre religião, migrações, educação e transformações familiares em África e na diáspora

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Um painel temático do seminário organizado pelo CIGEF da Universidade de Cabo Verde, na quinta-feira, 13 de novembro, reuniu investigadoras e investigadores de diferentes instituições para analisar o papel das mulheres em contextos migratórios, as trajetórias estudantis nos PALOP, as lutas quilombolas no Brasil e as mudanças nas normas familiares na Costa do Marfim, a partir de uma perspetiva de género.

O painel integrou o seminário internacional “Repensar o Género a partir de África: perspetivas globais e locais”, promovido pelo Centro de Investigação e Formação em Género e Família (CIGEF) da Uni-CV, no quadro das comemorações dos seus dezassete anos de atividade. As comunicações incidiram sobre género, mobilidade, família e pertença, cruzando experiências de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Brasil e Costa do Marfim.

Género, religião e agência de mulheres cabo-verdianas no Senegal

Na sua comunicação, a Dra. Maria Sabino Tavares analisou práticas de mulheres cabo-verdianas residentes no Senegal em contextos marcados por normas religiosas e familiares patriarcais. Segundo a investigadora, estas mulheres mobilizam estratégias de agência que combinam resistência, negociação e reinvenção simbólica.

Entre essas estratégias, destacou a exigência da assinatura de atestados de monogamia, a reinterpretação de interditos religiosos e o investimento na educação de filhos e filhas, promovendo partilha de tarefas domésticas e valores de cooperação. A investigadora descreveu arranjos familiares em que se observa uma matrifocalidade emergente, na qual as mães assumem centralidade económica e simbólica, sem eliminar, porém, as estruturas patriarcais existentes.

Para Maria Sabino, as famílias estudadas evidenciam que “a intimidade é um campo profundamente político”, onde se exercem e se contestam formas de poder, moralidade e subjetivação. A religião funciona simultaneamente como dispositivo de controlo e espaço de agência, permitindo às mulheres reinterpretar normas e criar “novos modos de viver dentro da interculturalidade”.

Trajetórias femininas na migração e na educação

O Dr. Vinícius Morales apresentou resultados da sua investigação de doutoramento sobre mulheres da África Ocidental que residem ou residiram em Cabo Verde, centrando-se na biografia de “Dona Nina”, mulher bissau-guineense descrita como figura de referência na comunidade imigrante na Praia.

A narrativa seguiu o percurso de mobilidade desta protagonista entre Guiné-Bissau, Portugal, Estados Unidos, Cabo Verde e, mais recentemente, Portugal, evidenciando o papel das redes femininas, das associações e das práticas culturais (culinária, música, dança) na reprodução da “guineendade” na diáspora. Segundo o investigador, a história de Dona Nina mostra como “a imigração é um substantivo feminino”, sustentado pelo trabalho invisibilizado de cuidado e organização comunitária.

A Dra. Ana Cláudia Pereira, em pós-doutoramento na Uni-CV, apresentou dados preliminares do projeto “Observatório das ciências sociais nos PALOP e dos egressos estrangeiros da Unilab”, com enfoque de género. A partir de um inquérito a 27 diplomados de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, a investigadora analisou trajetórias académicas e inserção profissional.

Entre os resultados, destacou que a maioria beneficiou de bolsas de permanência e prosseguiu estudos de pós-graduação, com 69,2% atualmente empregados. As mulheres referiram cargas horárias de trabalho mais extensas e identificaram a falta de redes de contacto como principal obstáculo à inserção laboral, enquanto homens referiram mais insatisfação com as condições de trabalho. A formação académica foi apontada, por ambos os grupos, como fator central para aumentar oportunidades de emprego.

Comunidades quilombolas e redefinição das normas familiares

O Dr. João Vítor Sedres apresentou um estudo sobre a comunidade quilombola Campo dos Poles, em Monte Carlo, Santa Catarina (Brasil), relacionando-a com a memória da Guerra do Contestado. O investigador propôs uma leitura do quilombo como espaço de resistência, agência e afetividade, construído não apenas pela fuga, mas também por relações de doação de terras e pertença local.

A comunidade encontra-se em fase avançada de reconhecimento territorial, após processos de desapropriação ocorridos na década de 1960 e iniciativas de retomada a partir dos anos 2000. O trabalho procura tensionar narrativas hegemónicas sobre o Estado de Santa Catarina, que tendem a invisibilizar a presença negra e quilombola.

Por fim, a Dra. Kouakou Adja Doubia Angele, da Universidade Alassane Ouattara, analisou as transformações contemporâneas das sexualidades, conjugalidades e modelos de parentalidade na Costa do Marfim. A comunicação abordou a crescente sexualidade precoce e fora do casamento, a existência de orientações sexuais diversas, o declínio do casamento tradicional, o aumento de divórcios e a emergência de famílias monoparentais e recompostas.

Segundo a investigadora, estas mudanças obrigam o Estado a adaptar o direito da família e a criar políticas de proteção a mulheres divorciadas e viúvas, bem como a integrar a educação sexual nos currículos escolares. As normas tradicionais e as aspirações da geração jovem coexistem em tensão, contribuindo para uma redefinição das normas familiares ivoirienses.

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