CIGEF reúne especialistas de Cabo Verde e Guiné-Bissau para discutir género, políticas públicas e transformações sociais

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O segundo painel do seminário internacional “Repensar o Género a partir de África: perspetivas globais e locais”, realizado, na quarta-feira, dia 12 de novembro, no Campus do Palmarejo Grande da Universidade de Cabo Verde, debateu feminilidades e masculinidades africanas a partir de experiências de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, cruzando investigação académica, ativismo e políticas públicas. Moderado por Juvêncio Nota, o painel “Feminilidade e Masculinidades Africanas” integrou a programação do seminário internacional promovido pelo Centro de Investigação e Formação em Género e Família (CIGEF) da Uni-CV, no contexto das comemorações dos dezassete anos do centro.

A mesa reuniu Talina Pereira, da Associação Cabo-Verdiana de Luta contra a Violência Baseada no Género (ACL-VBG), Maimuna Baldé e Natália Cá, do Centro de Estudo e Pesquisa sobre Mulher e Género (CEP Mulher), na Guiné-Bissau, e Paulino Muniz, da Rede Laço Branco Cabo Verde. As apresentações abordaram políticas de género, dinâmicas familiares, construções culturais de feminilidade e masculinidade e estratégias de mudança social.

Políticas de género e críticas ao eurocentrismo

Na primeira intervenção, Talina Pereira apresentou uma reflexão ancorada no seu percurso profissional de cerca de vinte e sete anos na formulação de políticas públicas de igualdade de género em Cabo Verde. A oradora problematizou a predominância de referenciais teóricos ocidentais nos marcos concetuais adotados no país, sublinhando que muitas intervenções foram desenhadas “a partir de uma premissa e de uma realidade ocidental”, com protocolos e programas pré-definidos.

A investigadora defendeu a necessidade de um “substrato propriamente cabo-verdiano ou africano” na compreensão das relações de género, recuperando contributos de pensadoras como Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí e Amina Mama. Talina Pereira apontou limites de abordagens que não integram dinâmicas locais, como a insularidade, os movimentos migratórios, as diferenças urbano-rurais, o papel das mulheres no comércio informal e a centralidade de redes familiares alargadas (avós, padrinhos, outros cuidadores).

Segundo a oradora, as políticas têm privilegiado uma visão de família nuclear e um modelo de patriarcado entendido como estrutura fixa, quando, na realidade, se trata de um sistema “dinâmico e sujeito a transformações”. Citando Oyěwùmí, defendeu que os estudos africanos continuam “dominados pelos modos ocidentais de apreender a realidade”, e apelou a que a nova geração de investigadores contribua para transformar este campo e apoiar a construção de políticas mais situadas.

Tradições e mudanças na Guiné-Bissau

Em seguida, Maimuna Baldé e Natália Cá, do CEP Mulher da Guiné-Bissau, apresentaram resultados preliminares de um artigo em desenvolvimento sobre “Masculinidade e Feminilidade: Tradições e Transformações Contemporâneas na Guiné-Bissau”. A investigação, de base bibliográfica e com recurso a entrevistas, analisa diferentes sistemas de organização social em várias etnias do país.

As investigadoras destacaram que, entre os Bijagós e os Papel, vigora um sistema matrilinear em que as mulheres têm poder de decisão sobre a economia e a herança, bem como maior autonomia na vida comunitária. Nas comunidades Balantas, há referências a direitos iguais entre casais, embora a transmissão de terras permaneça sob controlo masculino. Já entre Mandingas e Fulas, predomina um sistema patriarcal em que o homem é considerado provedor e a mulher é socializada para a submissão, influenciado por normas religiosas.

As oradoras sublinharam que, apesar da persistência de desigualdades, se verificam mudanças significativas, nomeadamente no direito de escolha do casamento e no acesso das raparigas à educação. Recordaram ainda a participação ativa das mulheres na luta de libertação nacional e a aprovação da Lei da Paridade em 2018, que ainda não se traduz, em 30% de representação feminina na Assembleia Nacional Popular.

Masculinidades, violência e mudança de mentalidades em Cabo Verde

Na última apresentação, Paulino Muniz enquadrou a ação da Rede Laço Branco Cabo Verde, criada em 2009 e composta por homens, rapazes e organizações da sociedade civil que trabalham em três frentes: combate à violência baseada no género, promoção da paternidade cuidadora e cuidado da saúde e bem-estar dos homens.

Com base em experiências de pesquisa-ação e trabalho comunitário, o orador descreveu como determinadas normas sociais continuam a legitimar desigualdades entre mulheres e homens, incidindo tanto na vida familiar como na esfera pública. Relatou casos recolhidos no terreno que ilustram a forma como a construção social da masculinidade pode estar associada ao controlo sobre a mobilidade, a vida social e as escolhas profissionais das mulheres, bem como à naturalização da violência.

Paulino Muniz sublinhou que “falar de género em Cabo Verde, muitas vezes, é falar de mulher”, quando é essencial envolver também os homens na reflexão e na mudança de práticas. Referiu que, apesar da aprovação da Lei da Paridade, persistem resistências dentro das estruturas partidárias e da sociedade, o que demonstra a necessidade de consolidar uma consciência coletiva de igualdade.

Entre as propostas apresentadas, destacou:

  • trabalho simultâneo com homens e mulheres, a partir das realidades locais;
  • o reforço de metodologias qualitativas para compreender contextos e significados por detrás dos dados estatísticos;
  • o aprofundamento da pesquisa-ação nas comunidades;
  • e a “desconstrução para reconstrução” de valores e normas socialmente naturalizados.

 

 

 

 

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