Conferência inaugural no CIGEF defende rutura com modelos eurocêntricos e aposta em investigação empírica local.

O docente e investigador Cláudio Furtado defendeu, ontem, dia 12 de novembro, a necessidade de consolidar um pensamento africano sobre género e feminismos, autónomo de modelos eurocêntricos. Na conferência inaugural do seminário internacional “Repensar o Género a partir de África”, na Universidade de Cabo Verde, no auditório 101, o académico instou à valorização da investigação empírica local e de abordagens interseccionais.
A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), através do seu Centro de Investigação e Formação em Género e Família (CIGEF), deu início na quarta-feira à conferência internacional “Repensar o Género a partir de África: Perspetivas Globais e Locais”. O evento, que assinala também o 17.º aniversário do CIGEF, teve como conferência inaugural a intervenção do docente e investigador Cláudio Furtado, docente da Faculdade de Ciências Sociais, Humanas e Artes (FCSHA), subordinada ao tema “A consolidação de um pensamento africano sobre género e feminismos: caminhos ainda a trilhar”.
Na sua alocução, o investigador Cláudio Furtado sublinhou a urgência de uma rutura epistemológica com os modelos teóricos importados do Norte Global, que historicamente se apresentaram como universais. Partindo das palavras-chave “repensar” e “género”, o investigador defendeu que a análise das realidades africanas exige ferramentas concetuais próprias, capazes de captar as suas especificidades sociais, históricas e culturais.
Um dos pilares da sua argumentação centrou-se na importância do conceito de “lugar de fala”, popularizado pela filósofa Djamila Ribeiro, como instrumento para “quebrar com o discurso autorizado e único que se pretende universal”. Segundo Furtado, reconhecer a legitimidade de investigadoras e ativistas africanas para produzirem conhecimento a partir das suas próprias experiências é um passo fundamental para combater o “epistemicídio” de saberes não canónicos. “É imperativo que as mulheres africanas definam e diferenciem as suas posições teóricas de outras naturezas, resistindo assim à tentação de que as suas histórias sejam contadas não só por mulheres ocidentais, mas também por homens africanos”, declarou, citando a académica Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí.
O docente traçou um percurso histórico da emergência dos estudos de género no continente, desde as primeiras investigações no período colonial, maioritariamente conduzidas por europeus, até ao marco de 1977, com a criação da Associação das Mulheres Africanas para a Pesquisa e o Desenvolvimento (AFARD/AWPRD), que consolidou um espaço autónomo de produção de conhecimento. Destacou ainda que a abordagem interseccional - que articula género, raça, classe e condição colonial - esteve “sempre presente” no pensamento feminista africano, muito antes de se tornar um conceito central no debate académico global.
Olhando para o futuro, o investigador Cláudio Furtado identificou vários “caminhos a trilhar”. Apelou a um reforço dos estudos empíricos, focados em desafios persistentes como as disparidades económicas, a sub-representação política das mulheres e as desigualdades no acesso à educação e à saúde em Cabo Verde e no continente. Para o investigador, apenas a investigação localmente relevante pode aspirar à universalidade. “O estudo só é universalmente relevante se o for localmente”, concluiu, citando o antropólogo Archie Mafeje.
O seminário prossegue até ao dia 13 de novembro, com um programa que inclui diversos painéis, mesas de discussão e performances, reunindo académicos e ativistas de vários países africanos e da diáspora.