Um estudo recente sobre anemia falciforme em Cabo Verde trouxe novos conhecimentos sobre a prevalência da doença e a diversidade genética da população local. Conduzido por Ariana Freire, docente e investigadora da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), em colaboração com Enrique Martinez e José María Raya, da Universidade de La Laguna e do Hospital Universitário de Canárias, respetivamente, o estudo também contou com a parceria do Hospital Universitário Dr. Agostinho e outros investigadores nacionais e internacionais.
O foco principal foi o rastreio neonatal da anemia falciforme (AF) e a análise dos haplótipos da beta S-globina em pacientes com a doença. Os resultados sublinham a necessidade de diagnósticos precoces e de intervenções médicas personalizadas em países em desenvolvimento que enfrentam a AF.
A anemia falciforme é uma das hemoglobinopatias mais comuns e uma das doenças monogênicas graves mais prevalentes no mundo. Resulta de uma mutação genética que provoca a substituição do ácido glutâmico pela valina na molécula de beta-globina, criando a hemoglobina S (HbS) em vez da hemoglobina normal adulta (HbA). Esta condição genética pode manifestar-se de forma heterozigótica (HbAS), conhecida como traço falciforme, ou homozigótica (HbSS), resultando em complicações graves como crises de dor, úlceras, infeções e acidente vascular cerebral devido à forma alterada das células sanguíneas que causam anemia hemolítica e obstrução dos vasos sanguíneos.
A maioria dos países da África Subsaariana, incluindo Cabo Verde, enfrenta desafios na implementação de programas de triagem neonatal para AF. Com uma população geneticamente diversa e uma potencial alta frequência de alelos de hemoglobinopatia, Cabo Verde tem uma oportunidade única de abordar a necessidade urgente de diagnóstico precoce e intervenções médicas personalizadas.
No estudo, amostras de sangue de cordão umbilical foram recolhidas em dois hospitais da Ilha de Santiago para rastreio neonatal usando técnicas como cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) e análises moleculares (PCR e RFLP). Dos 346 recém-nascidos examinados, 6% apresentavam traço falciforme (HbAS), sem casos de homozigotos para a doença (HbSS). Quatro haplótipos principais foram identificados: Senegal, árabe-indiano, bantu e Benin, sendo o haplótipo Senegal o mais prevalente.
Os resultados demonstram o potencial de um programa de rastreio neonatal em Cabo Verde, semelhante aos implementados em países de maior rendimento, que provaram ser eficazes na redução de hospitalizações e complicações em crianças com AF. A introdução de um programa desse tipo poderia promover diagnósticos precoces e uma melhor gestão da doença, reduzindo significativamente a idade média de diagnóstico, atualmente em torno de 10 anos.
Além disso, níveis elevados de hemoglobina fetal (HbF) foram associados a melhores resultados hematológicos, sugerindo que o aumento da HbF pode diminuir a gravidade da anemia falciforme. Este achado reforça a importância do diagnóstico genético e da medicina personalizada para o tratamento eficaz da doença, sublinhando a necessidade de maior investimento em saúde pública e tecnologia de diagnóstico em Cabo Verde.