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A Universidade de Cabo Verde acaba de formar os primeiros médicos do país, 17 dos 25 estudantes terminaram o curso. Alguns deles falaram do seu percurso enquanto estudantes do primeiro curso de medicina.

Desde pequena, Eline Fernandes sofre por ver a sua situação, o pai doente na cama. Era dia após dia, vendo o pai correndo de hospital para hospital para tentar resolver o seu problema. Mas nenhum dos médicos sabia qual era a doença que estava a atormentar o pai de Eline, e nem mesmo os remédios tradicionais eram capazes de colocar o pai num bom estado.

Então desde pequena ela já pensava em que curso fazer, mas é claro que não podia ser qualquer curso. Tinha de ser um que pudesse ajudar a sua família; e principalmente o pai.

Talvez uma cientista? Esta era a sua primeira opção. Mas tudo mudou no dia em que sofreu um acidente aos 16 anos. Deitada numa cama de hospital, Eline descobriu ali o que queria ser quando crescesse.

Olhou para os médicos com atenção e percebeu o amor deles pelos pacientes, mesmo sendo completos desconhecidos antes de entrarem nas salas dos hospitais viravam próximos nas consultas. A forma como os médicos cuidavam dos seus pacientes fez com que crescesse em seu coração o desejo de ser uma médica. Assim, não só conseguiria ajudar o seu pai, mas também todos os cabo-verdianos que viessem a precisar dela.

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Hoje Eline tem dois orgulhos em sua vida, do dia que conseguiu entrar no curso e ver a emoção de seu pai, e dos pacientes quando a chamam de doutora e seguem as instruções passadas. Eline e outros 16 estudantes carregam o título dos primeiros estudantes de Medicina formados pela Uni-CV.

Há seis anos, no dia 07 de Outubro de 2015, era aberto o primeiro curso de Medicina com a duração de 6 anos, em parceria com a Universidade de Coimbra, Portugal. O curso que contou com a participação de 25 estudantes, foi finalizado com sucesso por 17 deles que acabam de se tornar os primeiros médicos formados pela universidade pública do país. 

O ato de imposição das fitas teve lugar no dia 6 de novembro deste ano no Centro de Convenções da Uni-CV. O curso cumpriu com o seu objetivo principal de formar médicos para Cabo Verde, como forma de diminuir a necessidade de médicos nos hospitais de Cabo Verde.

Judite Nascimento, Reitora da Uni-CV, assegurou durante a cerimónia de abertura do curso que “não vamos preparar médicos só para Cabo Verde_. Vamos sim, preparar profissionais que possam vir a exercer medicina em qualquer país”. No dia da imposição das fitas a Reitora aproveitou a ocasião para mostrar a alegria de toda a comunidade académica por este ato ser uma realidade no momento.

Lembrou que inicialmente o projeto era ambicioso e ousado porque a Uni-CV tinha ainda apenas 7 anos de vida, mas isso não foi um obstáculo, e sim um desafio que foi abraçado. Enalteceu os estudantes do curso que foram os melhores candidatos do país e por também terem continuado na mesma posição ao longo do ano letivo. Aos finalistas dirigiu as seguintes palavras: “honrem o juramento e que sejam médicos com as características daqueles que sonharam esse projeto, e que venham a ser autênticos agentes da distribuição da felicidade e do bem-estar dos cabo-verdianos e cabo-verdianas”.

Fernando Regateiro, Coordenador Geral do curso de Medicina, classificou o curso como um sonho impossível que só se tornou possível pela força e ousadia das pessoas que participaram. Enaltece os estudantes finalistas por não terem desistido do curso, quando no início foram chocados pelos resultados baixos, por terem aceitado o desafio, lutado para aumentarem as suas notas depois: “desejávamos que no final fossem bons médicos, com educação médica que honra a profissão, com conduta ética irrepreensível dos mais elevados padrões de valores na vossa prática, na relação com os doentes, colegas e com os demais profissionais de saúde; com a organização e com a sociedade em que vão trabalhar”, e afirmou ainda que hoje os finalistas já estão preparados para desempenhar a profissão com excelência.

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Robalo Monteiro, Diretor da Faculdade de Medicina na Universidade de Coimbra, definiu os estudantes como um bom modelo de persistência e luta, reconheceu que o caminho ainda não foi todo trilhado, mas crê que esse é mais um passo a ser dado. Deseja que “façam mais do que a medicina, façam a felicidade das pessoas, dos doentes e dos seus familiares”.

Os estudantes finalistas de Medicina estão muito orgulhosos pelo caminho que percorreram, e cada um teve a chance de contar um pouco do que aprendeu e vivenciou fazendo o curso de Medicina. 

Hélder Tavares disse que sente orgulho do percurso feito, que o caminho não foi fácil, mas que com a ajuda dos colegas, dos amigos e de outras pessoas que fizeram parte de sua vida, ele se sentiu motivado para continuar. 

Hoje já fazendo estágio diz que é confrontado com dificuldades como a consulta de vários pacientes com diferentes necessidades, tenta entendê-los para ajudá-los no que é possível. É muito grato pela Uni-CV ter criado o curso e de lhe ter permitido conhecer docentes e médicos excelentes durante o ano letivo.

Outra estudante, que se diz feliz por mais essa etapa concluída é Mayra Soares. Ela agradeceu aos pais e às pessoas que sempre a apoiaram. Além da alegria de ser médica, Mayra se orgulha de ser uma atleta de competição exemplar e uma das melhores alunas da sua ilha. Para conseguir todos esses títulos, Mayra afirma que é importante gostar daquilo que se está a fazer e sacrificar certas coisas na vida. 

Contou que, durante o curso, obteve duas lições importantes: a primeira de que a segunda tentativa pode ser benéfica quando se tira lições da primeira tentativa para levar para a segunda, e de que, às vezes, o ato de “parar e dar dois para trás” pode ser bom para reabastecer as energias e continuar. 

Estando agora a cumprir um período de estágio em um dos hospitais do país, Mayra explica que uma estagiária não segue uma rotina fixa, tudo pode mudar dependendo do serviço que estão a fazer. Diz que a maior sensação que teve foi a de trabalhar como um auxiliar junto com um cirurgião, “a sensação é de que paramos no tempo, podemos passar 5 horas em pé que não sentimos”.

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Eline, a aluna mencionada no início do texto é uma as finalistas do curso, que diz ter sido inspirada por Deus, que a fez crer que é capaz de ajudar o seu próximo de forma positiva, e também da sua família que sempre fazia muito para quem precisava, espera e continuar a fazer mais pelos outros.

Agradeceu à universidade por abrir esse curso e por ter se esforçado ao máximo para criar todas as condições para os estudantes. Explicou que um dos maiores desafios foi adaptar os conhecimentos para a gestão dos recursos humanos e económicos, e também combater certas práticas medicinais e tabus que estão enraizados na cultura cabo-verdiana. 

Ver crianças sofrendo por desleixo de pais, consultar pessoas que têm problemas graves e que querem o problema resolvido em consultas de rotinas são alguns dos desafios que enfrenta enquanto estagiária.

Outra pessoa que é grata a Deus e a sua família é Aline Fernandes. disse que se sente muito honrada e incentivada a trabalhar mais quando ouve uma palavra de agradecimento. Aline Fernandes quase perdeu a chance de ser uma das finalistas de Medicina pela Uni-CV. Ela conta que ganhou a oportunidade de cursar medicina no Brasil, mas optou por ficar aqui e realizar o seu sonho no país. Graças ao curso, diz, que foi capaz de participar dos melhores intercâmbios, de ter os melhores professores, conhecer novas culturas e pessoas. 

Hagi Lopes, avalia a jornada como um caminho difícil, mas necessário para o seu crescimento. Ficar longe da família, gerir os recursos e cuidar de si mesmo foram stressantes para o aluno, mas contribuíram muito para a realização de seu sonho de se tornar médico.

O finalista explica que três coisas o inspiraram a continuar: o apoio dos pais, a confiança que as pessoas depositam nele, suas conquistas e fracassos. Descreve a rotina de um estagiário como difícil e imprevisível, desde a preparação de histórias clínicas, participar de consultas, discutir casos, e outras exigências. Mas classifica a experiência de estar num campo operatório como uma das mais desafiadoras e incríveis em que participou. 

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Pedro Lopes classificou o curso como uma de suas melhores escolhas: Explica que passou por momentos difíceis, mas que apenas se lembrava da frase de sua avó, “devagar se vai longe” e isso o encorajava a seguir mais. Destaca que o fato do curso ser um novo projeto e os estudantes serem os primeiros a participar dele, fazia as coisas serem complicadas.

O finalista pretende atender e consultar as pessoas não deixando o seu trabalho ficar apenas no tratamento das doenças e sim uma consulta virada para o cidadão. Explica que, enquanto estagiário, aprendeu a conhecer e a lidar com as pessoas, participar de congressos e formações, trabalhar em equipes, atitudes que enriqueceram os seus conhecimentos enquanto médico. 

Define a autoconfiança como uma das chaves para o sucesso pessoal e profissional, e diz que tudo mudou quando passou a acreditar que era capaz de fazer as coisas. 

Os estudantes de Medicina finalizaram uma grande etapa em suas vidas, e se consagram como os primeiros estudantes de medicina formados pela Uni-CV. Tendo em conta isto, os finalistas deixaram alguns conselhos para os próximos médicos.

Hagi Lopes pede aos estudantes que “não entrem em desespero e não foquem nas dificuldades, pois a humildade e o aprendizado com os erros nos fazem crescer como seres humanos e como pessoas, capazes de enxergar as coisas para além daquilo que podemos imaginar”.

Aline Fernandes diz que uma das lições mais importantes que aprendeu é de ser ela mesma por isso aconselha que os estudantes se “dediquem muito aos estudos, mas não se esqueçam de se divertirem, passearem, estar com a família, acima de tudo nunca percam a vossa essência”.

Pedro Lopes aconselhou aos alunos que sejam: “resilientes, nunca desistam e aproveitem cada momento que a Medicina vos proporciona, porque é caminhando que se faz o caminho”.

Hélder Tavares apela para um espírito de ajuda uns com os outros: “o curso não é simples, é exigente, mas enquanto tiverem o foco no objetivo, serem humildes, terem um espírito de equipa, ajudarem e darem apoio uns aos outros, vai correr tudo bem e serão grandes profissionais”.

Eline afirma que é necessário ver a conquista dos outros, mas acreditar que somos capazes, mas não comparar os seus meios com os nossos: “acreditem que se os outros conseguiram é porque também conseguem. Cada um tem o seu tempo, tem o seu ritmo. Acredito que não existe a estratégia de estudo correta, mas há várias, só têm de encontrar a mais certa para si e para aquela circunstância”.

Mayra dá um pequeno conselho aos mais novos: “antes de abordarem a doença, que abordassem a pessoa, pois ela dirá o seu diagnóstico. Esse é o truque”.

Os novos médicos de Cabo Verde formados pela Uni-CV já estão preparados para atender os cabo-verdianos de todo o país. Agora dão espaço para os próximos alunos que virão cursar também Medicina. 

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